sábado, 20 de abril de 2019

Imunologia Suína


Sinto dores no peito. Eu queria que houvesse alguém para dizer que sinto dores no peito. Contava seus problemas, eles ouviam e te consolavam, recitando lugares-comuns moralistas ou qualquer frase extraída de filme ou livro de autoajuda. Pela minha memória a longo prazo, era essa a serventia das outras pessoas: ouvir seus problemas. Calma, digo para mim mesmo, solidão é só um estado de espírito.

Ao menos tenho terra sólida para andar. Os ursos polares, nem isso. Será que ainda existem ursos polares? Talvez eles estejam procurando sobreviventes, como eu estou. Vou encontrá-los e me tornar o rei dos ursos polares. Eu mereço um título de prestígio, sou o único ser vivo que sabe usar ferramentas e gerar fogo. Quer dizer, por enquanto, preciso pegar mais álcool e fósforo no mercado.

A radiação solar expele seus raios ultravioleta para carbonizar meu humor. Agora tenho que me preocupar com câncer de pele. É assim o dia inteiro: eu e o Sol. Digo ao Sol que sinto dores no peito, mas ele parece não ligar muito, continua me incinerando. A cidade está vazia hoje. Sem transeuntes, nem trânsito ou vida. Centros de Saúde, hospitais, leprosários, estão todos abandonados, como eu não via há tempos. Sucumbiram à gripe. Mesmo os cemitérios estão opacos, tivemos que queimar todos.

O noticiário disse que a enfermidade era uma hibridez genética da gripe humana, aviária e suína. Usando os porcos como incubadoras, o vírus Influenza H1N1 sofreu mutação, criando algo semelhante ao holocausto da Gripe Espanhola, de 1918. Começou no México, mas em poucos meses a Organização Mundial da Saúde decretou estado de emergência nível 6, alertando uma nova pandemia. As vacinas elaboradas invalidaram-se com rapidez. O vírus estava em constante evolução, procurando novos meios de transmitir-se, evitando supostas curas e ampliando o campo de espécies cuja infecção era compatível. Por está razão, era impossível isola-lo.

Meus últimos companheiros disseram que Lúcifer injetou seus próprios genes no vírus da gripe, ameaçando qualquer forma de vida no Universo. Disseram que logo a população do Reino dos Céus iria cair doente, exatamente como os mortais, por isso não adiantava morrer. Meus companheiros disseram que eu era um milagre da natureza, pois era o único que ainda não apresentava nenhum sintoma. Antes de irem para junto dos outros, disseram que eu era imune.

O chato nesse lance de extinção definitiva é que você não tem ninguém para lhe fazer companhia, nem um cachorro estúpido ou um gato sonolento. O problema dos amigos imaginários é que você precisa de imaginação para cultivá-los. Imaginação é para quem acredita em sonhos. Meu duende azulado com cabeça de tucano e cauda de tamanduá não prestava nem para perguntar se a dor no peito já havia melhorado.
A imunidade, acredito eu, é inútil agora. Os pesadelos e alucinações envolvendo criações de porcos estão debilitando minha sanidade. Exatamente nas palavras do noticiário, a peste está evoluindo. Logo, nem milagres da natureza vão escapar. Sinto os primeiros sintomas. Sinto algo dentro de mim. Sinto dores no peito.

2 comentários:

Thiers Rimbaud disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Thiers Rimbaud disse...

hahaha

Gde Caio!

E então instala-se o pânico, a paranóia, a doença, o extermínio....
PANDEMIA!!!
Gde pureza de palavras, imenso subterrâneo que assola a gaveta da cx onde vivem tdos os escorpiões.
Pause.....
Detecta-se a gripe suínica.....multiplicam-se os casos. Estes casos contraem imunidade.....se o sujeito 'bomba' fica imune, como a pandemia prossegue?

To aguardando continuidade.....
mas n posso deixar de comentar a linda bonequinhaa máscara!! D+ Caio!!!! D+