quinta-feira, 18 de abril de 2019

Capítulo 3: “Mate o Coelho!”



Rua dos Espíritos - companheiros Nathanael e Isaac – 17h23min – 22/06/2012 (BL)


Nathanael: Ow, me ajuda aqui... Acho que parti a coluna...

Por causa do abalo físico e emocional que sofri (seqüelas de vítimas de explosões), Isaac ofereceu o ombro e serviu-me de apoio, levando o fuzil de assalto Colt M16A2 em um braço e o compadre aqui no outro. Depois de comentar como eu tinha engordado, fez uma breve relação dos utilitários que trouxe do jipe.

Isaac: Conchas de munição para Mosin, M16 e 9mm; 1 granada básica, 1 incendiária e 2 de fumaça; faca de sobrevivência, espingarda calibre 12, revolver .38 e uma arma de choque (modificada para gerar um descarga elétrica mortal de 50 volts); e sal grosso para espantar maus presságios.

Ha-ha. Caramba, como estou feliz pelo Isaac ter vindo.

Nathanael: Bom, isso deve servir... Para a primeira leva.

Isaac: Deus queira que sirva. Pelo menos até chegarmos na rua Arco-Íris.

Nathanael: Deus, nossas armas e nosso instinto de sobrevivência queiram que sirva.

Saímos pela cratera da petshop em passos lentos de casal – esquivando do fogo e dos destroços – mas logo nos desgrudamos para entrar em posição de combate. Atraídos pela explosão, um policial e um padeiro suplicavam um pouco de nutrientes humanos frescos.

Isaac: Não demoraram dessa vez...

Isaac brandiu a M16 e impeliu uma agressiva nevasca de balas contra o oficial – fazendo-o sentir cada um dos 15 disparos p/ segundo da arma. Seu corpo foi (como se diz na Mecânica de Usinagem) completamente rosquiado, e o monstro se transformou num tipo de escultura concretista, desmembrando-se ao se chocar com o solo. Meu Mosin Nagant não teve dificuldade em aprontar o padeiro, e aquelas roupas branquinhas dele. Acabou muito rápido. Isaac fez sinal de “não temos mais tempo” (junta-se o dedo indicador com o pai-de-todos e se começa a dar “tapas” no final do lado superior do antebraço esquerdo, onde começa a mão e também onde colocamos os relógios de pulso – a agilidade com que se bate depende do desespero da situação). Distribuímos os equipamentos e viramos a esquina na av. Jardim Encantado (por onde eu tinha vindo).




Av. Jardim Encantado - companheiros Nathanael e Isaac – 17h31min – 22/06/2012 (BL)

Olhei a frente; minhas pupilas dilataram. Uma grande massa de névoa tomou toda a extensão da rua. A morbidez de uma “avenida fantasma”. Era impossível visualizar o resto do caminho.

Nathanael: Vamos encontrar um atalho, tenho um péssimo pressentimento em seguir por ai.

Isaac: Não há tempo para procurar atalhos. E o que a neblina pode fazer de mais? Nos deixar cegos?

Isaac prosseguiu. Estes equívocos acontecem, geralmente, porque algumas vezes nos preocupamos tanto com os horários estipulados pelo Coronel que esquecemos dos cuidados mais básicos. Então quer dizer que todos que morrem são culpa dele... Velhote miserável... Em resposta a aproximação, uma meia-dúzia de infectados materializaram-se do vácuo e se arremessaram no companheiro.

Nathanael: Isaac!!

Um impulso. Empunhei o rifle e mandei 4 disparos consecutivos. Acredito que foi meu recorde de tiros no menor espaço se tempo: atirei e ejetei o cartucho, atirei e ejetei o cartucho, atirei e ejetei, atirei e ejetei. Derrubei exatos 4 malditos que tentavam cercar o camarada. Isaac também não foi nenhum servo de pata quebrada. Metralhou um estudante e, um pouco antes de ser agarrado pelo que me pareceu um mercador ambulante, sacou a granada e encaixou na boca do infectado, retornando o punho com o pino vital junto. Realmente, Isaac aprendeu uns truques bem úteis em seus tempos de guarda rodoviário. A criatura, desorientada com a incompreendida perca de movimento do maxilar, foi alvo fácil da coronhada que se seguia, o jogando de volta ao ninho de seres amaldiçoados de onde veio. Isaac saltou para sair da área de alcance da explosão.

BLOOM!!

Por alguns estantes, uma pequena chuva de tecidos orgânicos deu cor à neblina. A melhor aula de anatomia que tive na vida. Desguardamos apressadamente nossos respectivos M.A.P.B.s (Manto Anti-Perigo Biológico) – uma espécie de capa de plástico resistente e antiaderente, usada em casos como este, para minimizar o risco de contagio quando o inimigo é feito em pedaços; em batalhas de curta distância, onde há exposição direta com a praga, entre outras utilidades – e nos cobrimos. Depois, atacamos os sobreviventes sem misericórdia.




Nathanael: Mandou bem, Isaac!

Isaac: Que nada. O mágico de Oz aqui é você.

Eles não estavam em grande número. Ficamos nos limites da área nebulosa atirando, nos preocupando apenas em limpar o percurso. Quando, subitamente, a silhueta de dezenas deles surge na palidez do cenário, aproximando-se feitos espectros.

Nathanael: Não temos munição suficiente. Agora sim precisamos de um atalho.

Vi Isaac apanhar a arma de choque. Será que o contato com a morte iminente o enlouqueceu? Então eu entendi. A névoa estava incrivelmente densa; o acumulo pluviométrico parecia miragem. Ficávamos encharcados só de permanecer ali.

Isaac: Saia da neblina!

Quebrou o gatilho da arma de choque e lançou contra os inimigos. Houve uma reação em cadeia; a descarga elétrica consumiu toda a rua. Um ataque certeiro do Deus do Trovão. Só ouvimos as carcaças capotando no solo, vitimas da eletrocussão. Esperamos a energia se dissipar (se “transformar”, segundo os conceitos físicos) para continuar o trajeto. As circunstâncias ficaram bem tranqüilas depois do inconveniente lá atrás. Avistei um helicóptero acidentado nas ruínas de uma residência, calunia que passou em branco antes – devia mesmo estar delirante.

Ouço o bater de asas. O gargarejo inconfundível ecoa na imensidão da cidade. Aquele lugar estava empestado de pombas: ocultas nas telhas das casas, estáticas na fiação dos postes ou mesmo procurando farelos de carne no asfalto. No começo da infestação, acreditava-se que estas aves eram as principais transmissoras da praga, graças ao atormentador aumento populacional aviário que houve antes da epidemia. Mas esta teoria foi refutada quando se reparou na habilidade da doença em alterar quaisquer organismos orgânicos e transformá-los em agentes propagadores da contaminação.




Isaac: A melhor opção é dobrar na próxima esquerda, logo no final da avenida.

Nathanael: Sei, é o mesmo caminho que eu fiz.

Isaac: Hum... Você ainda não disse porque fugiu com a cauda entre as patas na rua Arco-Íris.

Nathanael: Eu não fugi seu imbecil, eu salvei todos vocês! Bando de miseráveis ingratos...

Isaac: Então... Conte a história...

Nathanael: Não consigo explicar nessas condições; te conto quando chegarmos no jipe.

Estávamos tentando não perder o passo, quando senti uma entidade macabra respirando no meu cangote. Escutei um sussurro diretamente no meu tímpano.

“Nada é real...”

Virei-me, já com o rifle em punho e pronto para detonar os miolos do quer que seja o desgraçado. Mas não havia ninguém atrás de mim.

Isaac: O que houve?

Nathanael: Nada. Pensei ter ouvido alguma coisa.

Aconteceu um fato similar na petshop.

Isaac: Não temos tempo para paranóias. Se bobear a equipe de resgate já está com o resto do grupo.

Viramos na última rua do J.E., seguindo na direção do objetivo.




Rua dos Enforcados - companheiros Nathanael e Isaac – 17h42min – 22/06/2012 (BL)

Como costumava dizer os habitantes genocídados de Bela Linhagem: “nova rua, novos ares”! Nos deparamos com uma paisagem deserta, muito mais confortável de se andar. Logo, escutamos uma inquietação dentro do açougue Primavera, à nossa direita. Olhamos pela janela de exibição, e o que vimos foi um tanto suspirante.

Isaac: Cães...

Um vulto quadrúpede nos farejou pela porta da frente, semi-aberta, e a empurrou com o focinho. O rottweiler, ensangüentado e mastigando uma costela de vaca, saiu para nos olhar melhor. Foi seguido por um pastor alemão de orelha decepada e um gigantesco leonberg – o “cão-urso”. Suas garras mal-aparadas estralavam no piso da calçada. O leonberg (que identifiquei como o líder da matilha) vidrou os globos oculares em minha pessoa, e latiu – por pouco não grunhiu um rugido. Os malditos avançaram contra nós. Eu já estava com o rifle aposto, mas – semelhante à desesperança do esvair das águas em época de seca – o Mosin enguiçou. Isaac, por sua vez, atirou, mas no terceiro disparo automático a munição esgotou-se (ele sempre esquece de prestar atenção na recarga; hábito que cultivamos para não ter mortes estúpidas como essa); e ainda por cima não acertou nada. As bocas famintas – cheias de caninos enegrecidos pelo sangue e salivando o desejo por nossas entranhas – estavam tão próximas que já podia sentir o gosto da mordida fatal na garganta. Angustiante.

Esquivei por um triz do líder e atingi o rottweiler com uma coronhada no nariz, o atordoando levemente. Isaac puxou a faca de sobrevivência e, defendendo-se da investida como um espadachim, degolou o pastor alemão. Hora do segundo turno. Deixei o Nagant de lado e estendi a calibre 12. O rottweiler tinha se recobrado e preparava um novo ataque. Baleei o raio de seu corpo, o explodindo ao meio. Curvei-me para focar o último alvo, e o líder salta para me abocanhar. Por pouco, consigo por a espingarda entre meu rosto e os dentes infecciosos, mas a força do impacto joga-me no chão, com o vira-lata sobre mim. A única coisa entre eu e ele era a 12, mas pude sonorizar a arma rachando-se lentamente com a força da grande mandíbula.

Isaac: Agüente firme Nathanael!

Isaac lança a faca contra meu atacante – numa manobra que mais me pareceu número de artista de circo – perfurando seu pescoço. Mas o cachorro ainda estava vivo. O animal começou a se debater, me mandando a alguns metros. Esqueceu-me completamente e partiu para cima de Isaac. Deu uma cambalhota ágil e agarrei o Mosin. Desemperrei a antiguidade o mais rápido que pude e atirei, desconectando a cabeça do leonberg deste mundo. Mal recuperei o fôlego e Isaac veio me apressar.

Isaac: Levante-se, estamos quase lá.

Pobre dos animais: tive mais pena de matá-los do que muitos ex-seres humanos.




A rua Dos Enforcados compunha-se de cinco quarteirões médios, e dava direto na rua Arco-Íris. Donatello e Thomas devem ter ouvido muito bem o “bang-bang”. Tal fato incrementou uns dois pontos no meu medidor de animo. Continuamos a caminhada; a nevoa era praticamente inexistente agora. De repente, uma música começou a tocar. Tinha uma tonalidade clássica, e vinha de logo à frente. Não demorei a descobrir: era a famosa 9º sinfonia de Beethoven, mais perceptível a cada passo.

Isaac: Acha que é algum sinal de outros sobreviventes?

Nathanael: Talvez, mas temos que ter cuidado. Podem ser membros da Q.E. também.

Chegamos à fonte do som: uma caixa de música aberta, ecoando a melodia encima de uma pilha de mantimentos. De relance, pensei que fosse alucinação. Equipamentos bem úteis, como kits médicos, armas de contusão e perfuração, comida industrial, remédios e munição, amarrados juntos em uma corda velha e suja. Tentei imaginar o que aquele tentador oásis estava fazendo bem no meio da rua.

Isaac: Quem em sã consciência deixaria itens tão cruciais empoeirando em campo aberto?

Nathanael: Estranho, né? Deu até a impressão de que largaram para gente.

Acheguei na pilha e fechei a caixa de música, para não chamar nenhuma atenção indesejada. Mal tirei a mão do objeto, um cheiro regurgitante chegou as minhas narinas. Lembrava... Decomposição. No mesmo instante, um ser humanóide ergueu-se de trás dos mantimentos. Sua pele estava pútrida, decompositores esgueiravam por suas roupas mofadas, e – em certos pontos – dava para visualizar seus ossos desgastados e até alguns órgãos internos. Um morto-vivo? Tinha algo brilhante na mão; era uma tesoura de alfaiate. Ele tentou cortar minha jugular. Agarrei o braço do maldito no ato; ele abria e fechava a tesoura, esperando ver meu sangue jorrar. Parti a ligação apodrecida da junta, tornando o membro invalido. Com a primeira tentativa fracassada, o filho da mãe deveria tentar me morder. Não tinha espaço nem meio de usar o Mosin. Soltei o braço, cerrei o punho e esmurrei com toda força a cara do desgraçado. Graças aos céus, somos instruídos a usar luvas durante as missões. Enquanto se contorcia no chão, mandei o tiro de misericórdia.

Isaac: Quando foi que eles aprenderam a usar ferramentas?

Mais alguns brotaram das redondezas, saídos das casas, carros e de esconderijos improvisados. Para nosso terror, eles levavam instrumentos um tanto ameaçadores consigo: facões, martelos, inchadas, chaves de fenda, ceifas, galhos de árvore, pedras e outros – não havia um padrão definido nos armamentos. Alguns até enfeitaram-se com proteções na cabeça (capacetes de motociclista, operário, soldado e até um elmo de armadura medieval). Totalizavam 12 indivíduos. Neste momento me caiu a ficha: era uma emboscada.

Nathanael: É uma armadilha! Os mantimentos e tudo mais... Eles nos cercaram!

Bom, não vamos nos jogar na graça do desespero. Talvez eles tenham aprendido umas artimanhas novas, mas ainda são os velhos inimigos idiotas que costumavamos brincar de tiro-ao-alvo anteriormente. Atirei no capacete de motociclista – só para testar – e o projétil do meu rifle atravessou sem problemas a proteção. Poderíamos ganhar aquela batalha, era apenas questão de matar todos antes que tivessem a chance de usar seus brinquedinhos. Seria difícil, o espaço era mínimo e eles não perderam tempo em nos pastorear feito ovelhas. Teríamos somente uma chance.

Nathanael: Isaac, memorize os ângulos de cada alvo no seu campo de visão.

Isaac: Já memorizei.

Nathanael: Respire fundo, feche os olhos e não perca a atenção por nada nesse mundo...

Fiquei de costas para Isaac. Tirei a granada de fumaça do estoque e puxei o pino. Joguei a menos um metro de nós. A nuvem intoxicante nos cobriu e cegou os infectados.

Nathanael: Atire!

Uma saraiva de balas do Mosin Nagant e da Colt M16A2 cortou a fumaça. As balas esvoaçavam pelo ar, aparentemente às escuras. Quando o efeito atordoante passou, não havia nenhum inimigo de pé. Vitória!




Agora você reflete um pouco, e, de súbito, desaprova tudo o que viu até aqui: “2 seres-humanos comuns derrotarem sem problemas uma multidão de demônios seis vezes mais numerosos? Marmelada!” Deixe-me explicar. Esse é, sempre foi e sempre será o derradeiro fim da L.E.: recrutar, organizar, sustentar e treinar soldados providos de conhecimento e capacidade física necessários para sobreviver as condições extremas do novo cenário global. E aqui está o fruto desse trabalho.

Nathanael: Acho que foi uma das batalhas mais gloriosas que tivemos até hoje. Pensei que não iríamos conseguir, mas no último estante viramos o jogo e mandamos todos para o Inferno! Vou levar esses malditos para empalhar no dormitório, como um troféu...

Percebi que Isaac não estava escutando, sua atenção fora concentrada em algo detrás do meu ombro. Aterrador: uma horda de infectados (por volta de 40 para cima) seguiam nosso rastro pela Rua Dos Enforcados. Vinham numa celeridade assombrosa, alguns pareciam até velocistas. Não pensei em outra coisa...

Nathanael: Corre!

Não teríamos nenhuma chance num enfrentamento direto. A última esperança era rezar para os reforços ainda estiverem a nossa espera. Correndo como uma zebra prestes a ser encerrada por um bando de leões, tentei manter um dialogo com Isaac.

Nathanael: Vamos correr até a rua Arco-Íris e esperar que tenha um veículo de escape aprontado para nossa chegada.

Isaac: Se trouxermos os amaldiçoados até a equipe de resgate vamos minar a fuga.

Nathanael: Então, o que sugere?

Isaac diminui o ritmo e olhou ao redor.

Isaac: O posto de gasolina...

Estávamos a dois quarteirões do ponto de encontro, quando nos separamos. Isaac desviou na direção do Posto de Gasolina Rufus.

Isaac: Continue, e não pare de correr!

Parei e gritei.

Nathanael: O que você está fazendo seu idiota!!?

Parar naquele instante era o mesmo que atirar contra a própria cabeça. A distância entre nós e os inimigos caia numa escala alarmante.

Isaac: Está operação não chegou totalmente ao abismo da improvisação. Temos o “Sósia” ainda.

Sósia. Uma máquina de projeção portátil, cria um vídeo de exibição que cópia a locomoção humana (uma cena animada que se repete, mostrando uma pessoa em movimento), adicionando alguns efeitos de luz estilo discoteca para deixar a isca mais atrativa. Como o M.A.P.B., é uma invenção da Equipe de Artigos Práticos (E.A.P.). Útil para uma evasiva, mas pode atrair outras centenas deles. E a bateria tem vida curta.

Meu companheiro passou pelo abastecimento – correndo o máximo que seu corpo mortal lhe permitia – e parou na frente da tela onde faziam anúncios. Ofegante, posicionou o aparelho no chão. Baleei alguns cretinos que cruzaram as bordas do posto, cunhando tempo para Isaac, apesar de não entender onde o estabelecimento e todo esse atraso se encaixavam no plano. Mais quatro disparos, e minha munição acabaria. Isaac acionou o Sósia, e ele funcionou como deveria. O guarda rodoviário absorveu o máximo de oxigênio que pode, tentando compensar o esgotamento da adrenalina, e circundou os infectados que invadiram o posto. Galopou até mim, exausto. Como o previsto, os monstros passaram a nos ignorar, chocando mãos, braços, peitos e cabeças contra a parede na tentativa de devorar a presa imaginária. Em segundos, o posto enfartou de monstros, amontoando-se uns nos outros, chegando até a bloquear o “holograma”.

Isaac: Me passa a granada incendiária.

Humm... Entendi o plano...

Isaac, com a destreza de um arqueiro, lança a granada por cerca de 20m, aterrissando precisamente no estoque de gasolina. Um brilho incandescente reflete nos rostos dos infectados. Uma supernova! O globo de fogo engole tudo que vê pela frente, desaparecendo com os alvos. Pobres condenados...




Finalmente. A rua Arco-Íris e a salvação definitiva já eram realidade. Só queria chegar, receber uma muito bem dada “boas-vindas” da Equipe de Desinfecção, comer tudo o que tinha direito no refeitório e depois dormir até umas 14:00h do dia seguinte. A missão falhou, pode até ser, mas isso é um mérito merecedor depois de matar tantos %$&¨& em um dia só. Fantasiar é tão bom, mas aquela luz radiante de esperança apagou-se quando avistei meus pesadelos manifestarem-se fisicamente, de novo. Saído de dentro de uma loja de conveniências, um velho amigo: o cachorro Cabeça-de-Metal. Ou estava ficando louco, ou ele existia de verdade. Bom, vamos ver por um ponto de vista mais psiquiátrico: talvez a razão do meu subconsciente pregar a mesma peça em mim seria porque eu insisto nos mesmos maus hábitos de sempre, nunca os abandonando por completo. Ah, que se dane. Cabeça-de-Metal estava vindo na minha direção; certamente iria encenar passo-a-passo o sonho, como da última vez – mas eu não planejo dormir no ponto agora. Vou limpar o miserável dos meus sonhos de uma vez por todas...

Nathanael: Pesadelos... Nunca mais...

Isaac: Com quem você está falando?

O pus na mira do Mosin e nem pensei muito antes de atirar. Ele congelou, como um filme ao ser pausado. Um buraco negro imergiu da lateral do seu corpo, crescendo até engoli-lo completamente. Depois a fissura engoliu a si mesma e desapareceu. Após o fenômeno, sobrou somente uma leve distorção aérea. Estou livre!

Isaac: Ainda bem que munição cai do céu, né? Daí você pode ficar atirando no vento a vontade...

Acho que está na hora de contar a Isaac o motivo de eu ter me separado do grupo. Ele vai acreditar, é meu amigo, horas...




Um som repentino entoa do comunicador.

Comunicador: Base da Arca de Nóe falando. H. S., você está na escuta?

Que interrupção é essa agora?

Comunicado/Voz nº1: Queremos a confirmação do Projeto Biosfera. H.S., você está na escuta?

Isaac: Acho que você interceptou alguma coisa...

Voz nº1: H.S., você está na escuta?

Voz nº2: H.S. ouvindo alto e claro. Projeto Biosfera finalizado com êxito. É bom escutar sua voz, dr. Jerusalém...

Voz nº1: Excelente. Também é bom te ouvir, Henry. Terá uma equipe te aguardando no forte de segurança “Redenção”, na rua Serpente, 105, amanhã às 15h. Estamos ansiosos pelos resultados da pesquisa. Cambio, desligo.

Humm... Forte Redenção... Será outra tentativa de organização social humana?

Isaac: Gente esquisita...




Senti uma vibração, erguendo meus fios da pele.

Nathanael: Magnetismo...

Apliquei o “Pendente Mágico” (P.M., também criação da E.A.P.), um pingente de atração nula sensível tanto a cargas magnéticas positivas quanto negativas. O usamos para caçar Magnetitas, um minério cuja mera presença consegue afastar os infectados, como um exorcizador ou um amuleto de boa sorte. Os pioneiros no uso de Magnetita na luta contra a praga foram às tropas norte-americanas (vindas ao Brasil para ajudar o governo e tentar conter o início da infestação) que - apesar de terem sido massacrados humilhantemente e a única ajuda que nos deram foi diminuir ainda mais o número de sobreviventes – deixaram armas, equipamentos e alguns truques interessantes. Não compreendemos exatamente como funciona nem os efeitos que a Magnetita causa nos inimigos, mas onde o minério estiver concentrado simplesmente não há monstros a vista. E é por tal razão que estas rochas cintilantes são de extrema importância para a L.E.: nossa base as mantém em pontos estratégicos, para espantar amaldiçoados de todas as direções. Mesmo os membros (como eu, Isaac, Donatello e Thomas) carregam um pequeno fragmento conosco (incorporado na P.M.), mas este só é útil no caso de insetos e animais menores. Como nunca foi encontrado Magnetita em território brasileiro, a única chance é procurar pelas abandonadas na época de resistência, e deixar qualquer oportunidade partir é estupidez.

O Pendente Mágico, induzido pelo magnetismo, move-se como se tivesse vida própria. Por se tratar de um pingente, a vantagem (além da obvia aplicação de levar em volta do pescoço) é que se tem uma noção da altitude em que a rocha se encontra, fato impossível com uma bússola (antigo método de encontrar o minério). O P.M. apontou direto para a farmácia homeopática Alquimia. Alakazan! Perfeito, mato dois coelhos com um único tiro. Posso usar isso como desculpa para pegar a lembrançinha de Maria, encontrada somente em farmácias de manipulação como essa, e ter meu belo prêmio. Tudo isso valeu a pena no final das contas.

Isaac: Onde está indo?

Nathanael: Você não percebeu? O pendente reagiu, sabe o que significa...

Isaac: Esquece, é isso ou nossas vidas.

Nathanael: Isaac, você só pode estar louco. Sabe como é importante para nossa sobrevivência...

Ignorei Isaac e segui o P.M.

Isaac: Não dá tempo!!!

Captei um zunido, tão intenso que me fez parar. Vinha naquela direção, rápido. Muito rápido. Um objeto voador não identificado rasgou o ar entre eu e Isaac, por pouco não nos levando junto. Colidiu com a farmácia, a despedaçando em uma deflagração explosiva.





Rua Arco-Íris - companheiros Donatello e Thomas – 18h05min – 22/06/2012 (BL)

As mãos de Thomas tremiam, ele não conseguia focar o infectado que vagava fora do veículo, a sua procura. O membro chorava e sussurrava:

Thomas: Eu vou morrer... Eu vou morrer... Eu vou morrer... Eu...

Os indícios no asfalto declaravam um terrível derramamento de sangue que ocorrera ali. O infectado se aproxima do jipe, percebendo a agitação dentro do carro. Subitamente, sua cabeça estilha-se. O atirador apropinquou-se e bateu na janela de Thomas.

Donatello: O que eu falei em hesitar?

Thomas: E daí? Essa nunca foi minha função mesmo... Se os devidos encarregados não estão aqui, não é culpa minha...

Donatello: Como um imprestável como você ainda está vivo?

Thomas: Ah... Donatello... Atrás de você...

Donatello vira-se, trombando com outro infectado, de braços estendidos, que iria agarrá-lo em menos de um segundo. Em um reflexo astuto, o companheiro neutraliza o inimigo com uma “Benção” (golpe de capoeira que consiste em um chute frontal direto no abdômen do adversário, esticando a perna em linha reta, com implicações devastadoras; podendo até desencadear hemorragia interna). A criatura não tem mais condições para lutar.

Thomas: Caramba Donatello, você é demais!!

Em resposta ao elogio, Donatello bufou.

Donatello: Só queria saber de onde saiu tantos deles. Quando chegamos não havia nenhum, e demoraram em vir; como se estivesse esperando o grupo se separar.

Thomas: Olhe, há mais vindo...

11 malditos andavam sem pressa, seguros de que conseguiriam abater Donatello e o inofensivo Thomas com poucas perdas.

Donatello: Droga, não tenho mais munição.

Thomas: Não conte seu ponto fraco pra eles...

Donatello: Me passa o rifle de assalto. Ele não serve pra nada na sua mão.

Foi quando uma onda de disparos iniciou-se na retaguarda dos monstros, os pegando desprevenidos. Caíram um a um, como se estivem na linha de fuzilamento. Donatello esboçou seu primeiro sorriso do dia.

Donatello: Thomas... A equipe de resgate chegou!!





Rua dos Enforcados - companheiros Nathanael e Isaac – 18h10min – 22/06/2012 (BL)

Deslumbramos as ruínas da farmácia.

Isaac: Lança-foguetes?

Isaac estava certo; aquilo foi obra de munição anti-blindagem, e deveria ter acertado na gente. Uma lista de suposto responsáveis me veio à mente. Suei em frio. As figuras avermelhadas esgueiravam em um caminhar tático, ágil, mantendo-se agachados e se escondendo atrás de qualquer suposta barreira protetora, prontos para um ataque a qualquer instante. Vestiam um uniforme esteticamente similar às vestimentas do Exército Brasileiro, só que vermelho. Não o vermelho convencional, mas sim um vermelho mais forte, mais vivo, um vermelho cor de sangue. O vermelho-escarlate.

Nathanael: A Quadrilha Escarlate...

A Quadrilha Escarlate (Q.E.). Tudo começou no pré-Apocalipse. No Brasil, era o estouro de um movimento cultural chamado “Martelo”. Seduzidos por uma nova linha de pensamentos que alcançou as mídias mais populares – literatura, música, novelas, filmes, etc – camadas baixas da população começaram a adotar uma postura “comunista”. Diziam o Brasil ser uma grotesca célula corrupta que aos poucos se desintegraria, levando o povo junto para o “naufrágio”. A única esperança para escapar das garras da crise internacional seria por em prática um sistema de governo alternativo. Os devotos do movimento provocavam agressões diretamente contra o liberalismo, organizando verdadeiros ataques terroristas a empresas internacionais ou com relações no exterior. O número de seguidores foi crescendo, quando o fim do mundo impediu que o partido de esquerda assumisse.

Os remanescentes de Bela Linhagem que sobreviveram ao Holocausto, organizaram um grupo parecido com a L.E., também com o intuito de exterminar as formas de vida derivadas da praga e reerguer um novo mundo regido pelo poder centralizado do Martelo. O problema é que a “Q.E.” – como se auto-denominam – obriga a todos que queiram se afiliar a beijar a mão do totalitarismo, fato que o Coronel se recusa. Foi criado uma inimizade entre nós, e eles abrem fogo quando reconhecem qualquer membro da Legião da Esperança. A Q.E. é muito mais numerosa que nós, por aceitarem qualquer um (diferente da lei do Coronel, que exige do recruta alguma habilidade especial que proporcione aumentos no desempenho do grupo).

Mas em compensação, temos soldados muito melhor capacitados, como ocorreu na guerra dos 300, onde milhares de escravos persas que mal sabiam manejar uma espada enfrentaram algumas centenas de guerreiros bem dispostos. Outro detalhe que nos garante mais alguns pontos é que os membros da L.E. não são nem de longe descartáveis, diferente da Q.E., nem pensando duas vezes antes de sacrificar uma armada inteira em missões suicidas. Por esse motivo todos escutam quietos as arrogâncias do nosso líder, pois há destinos muito piores por ai...




Contei 3 indivíduos, dois portando AK-47´s e um carregando a arma de artilharia portátil que quase nos trucidou, a RPG-7. Fizeram de um carro esportivo sua defesa e nos colocaram no tiroteio cruzado.

Membro da Q.E. nº1: Hoje é o dia que conheceram a outra vida, capitalistas corruptos!

Membro da Q.E. nº2: Vamos acabar logo com isso, o Diabo da Colina está nas redondezas.

Diabo da Colina? E quem seria esse?

Eu e Isaac nos jogamos no chão, para não perder as massas cinzentas no coquetel balístico mortífero que estremeceu o espaço sobre nossas cabeças. Por sorte havia uma van próxima, ficando entre nós e a morte. Os dois atirados não desistiram e mantiveram os gatilhos pressionados, enrugando todo o veículo. Ou eles estavam realmente desesperados para nos matar, ou tinham munição para vender, presentear e por de enfeite.

Isaac: A van não vai agüentar por muito tempo.

Nos rastejamos sob a chuva de projéteis de AK´s, se afastando o máximo da van. Como Isaac previu, ela cedeu a tortura, explodindo em uma espiral de fuligem. Caramba, hoje está tudo indo pelos ares. Ergui o corpo de leve para localizar os comunistas. O bucaneiro recarregava sua RPG, e não iria demorar com o serviço. Lancei a última granada de fumaça, desfocando a mira inimiga. Corri até poder visualizá-los novamente.

M.Q.E. nº2: Ele foi pela direita!

Iniciam outra onda de tiros. Lancei-me atrás de um Fusca; pude sentir as balas contornando meu corpo; passei perto de atravessar o rio das almas. Droga, não acreditei que tivessem um tempo de reação tão curto, devem ter recebido um treinamento decente nesses últimos tempos. Eles mantêm a mesma estratégia da van, sem parar de atirar. Seus olhos brilham com os flashs da boca de fogo das armas, um deles lambe os beiços, querendo muito ver meu funeral. Meus Deus, o Fusca está se desmaterializando, o impacto dos disparos cada vez mais aconchegado, o carro não vai agüentar nem mais um segundo... O que eu faço?

M.Q.E. nº1: Aquele parasita já era...

Eu me precipitei. O mesmo óbito de inúmeros falecidos membros da L.E.: precipitação. Então, é isso? Eu vou morrer aqui? ... O silêncio...

M.Q.E. nº2: 1 inimigo abatido.

M.Q.E. nº1: Não pare de atirar!

M.Q.E. nº3: Olhem! O outro está vindo pela esquerda!

Isaac: Morram seus desgraçados!!!

Isaac metralha feito um selvagem, mas os ágeis comunistas protegem-se na barricada. Eles, por sua vez, mandam a mesma rotina destrutiva para Isaac, que consegue escapar milagrosamente em um apinhado de destroços. Era minha chance. Salto em cima do capô do que restou do Fusca e elevo o Nagant. Convirjo a mira nos miseráveis. O soldado da RPG apontava diretamente para mim, com a horrenda arma em punho. Um duelo do Velho Oeste americano, o mais rápido prevalecerá. Muito lento! Acerto a munição anti-blindagem ainda no cano da artilharia, mandando todos os Q.E.s para a lista de espera do Purgatório.




Nathanael: Yeah cara! Conseguimos!

Isaac se aproxima enquanto eu saltitava de alegria feito uma criança no parque.

Isaac: Não pareceu que eles estavam fugindo de alguma coisa?

Nathanael: É... Eles citaram um tal de Diabo da Col...

Que sensação era essa? Como se uma atmosfera negra imergisse do além e enroscasse os tentáculos em meu pescoço. Tinha algo vindo. O projétil estilhaça-se no peito de Isaac, o fazendo recuar. Ele cai de joelhos, sem entender o que o acertou.

Nathanael: Isaac!!

O seguro antes de espatifar no asfalto. Ele estava se desfazendo em sangue, teria que estacar o ferimento. Rasguei um tecido da minha roupa e amarrei em volta do seu dorso. Apertei o máximo para dar alguma chance a Isaac.

Foi quando ele chegou. Andar desapresado, porém firme, como uma continência. Um casaco todo cheio de emendas cobria a fisionomia sombria do ser. Ainda pairava uma fina linha de fumaça do cano do rifle. Um rifle de longo alcance. Estava diante do assassino de Isaac. Ele não estava apenas olhando diretamente nos meus olhos – estava frisando a minha essência, me analisando física, mental e psiquicamente. O rosto levemente inclinado para o solo, os olhos ligeiramente içados para cima. Aquele olhar, não era humano, não demonstrava nenhuma emoção, um pulso elétrico sentimental sequer. Era o olhar de um predador, a legitima expressão de um psicopata. Só havia uma pessoa que se encaixava no perfil...

Nathanael: Desgraçado... Você o matou!

Não empunhava o rifle, ao contrário, quase o arrastava no chão. Simplesmente não me via como uma ameaça. Me levantei. Ele veio para terminar o serviço, e eu teria que matá-lo antes de levar Isaac a equipe de resgate.

Nathanael: É você, não é? O maldito lunático que vem matando os entes da mesma espécie... Santacruz...

Ele parou, mas permaneceu em silêncio me encarando.

Nathanael: Preste atenção em volta. Aqui vai ser seu túmulo. É melhor começar a pensar muito bem como tem levado a sua vida, porque essa é a última oportunidade para se redimir...

Santacruz permaneceu indiferente as minhas palavras. Segurei firme o Mosin. Uma pequena garoa desce do céu, umedecendo o campo de batalha...


Base da L.E. – Coronel Henrique – 18h22min – 22/06/2012 (BL)

Coronel: O fenômeno climático...


Um comentário:

Unknown disse...

Nããão! pq vc matou o isaac? o que será do green day agora??? :[
hAUEIOhUEIA
Ficou excelente esse episódio!!
sem mais.
sinceramente...o melhor q vc já escreveu até agora

(eu adivinhei q vc ia postar hoje!)

Aguardo o quarto!!!!

T+